domingo, 3 de fevereiro de 2013

Homilia para o 4º Domingo Comum


Passar pelas tragédias e continuar a caminhar


“245 jovens não voltaram para suas casas nessa noite, nem nunca voltarão.
245 cadeiras não serão ocupadas nas mesas do almoço de domingo .
245 camas ficarão vazias essa noite .
245 futuros .
245 sonhos .
245 amores .
245 filhos .
245 jovens é vida demais , que virou vida de menos.
Várias pessoas estão a chorar , gritar , lamentar e silenciar!”
As palavras de um adolescente, entre tantas outras partilhadas nas redes sociais desta semana, expressam o sentimento de todos nós brasileiros nesta semana em que a população de Santa Maria viu seus filhos partirem de uma forma tão inesperada. Não podemos refletir sobre a Palavra de Deus neste domingo sem considerar esta dor e sem olhar para Jesus com o desejo de ouvir dele uma palavra de vida e de esperança.
A última frase do Evangelho deste domingo pode ser uma luz a nos ajudar a enfrentar o sofrimento, mas para compreendê-la assim, é necessário refletir sobre todo o contexto em que ela se encontra. 
Jesus está saindo da Sinagoga de Nazaré, sua terra natal, onde tornou presente e atual a palavra do Profeta. As pessoas que o escutam, assim como nós ao ouvir jovens e adolescentes anônimos em nossos dias, ficaram surpresas com as palavras cheias de encanto que saiam de sua boca e estranharam que o filho de um homem tão simples como José pudesse ter tal sabedoria. 
Jesus conhece estes pensamentos, Ele sabe que é natural das pessoas não valorizarem aqueles que estão presentes em seu cotidiano e antecipa nosso ditado popular: “Santo de casa não faz milagres”. Ao invés de ficar aborrecido com a rejeição, lê neste fato um sinal que confirma sua missão profética e recorda Elias e Eliseu, dois profetas antigos que também, por terem sido rejeitados pelo seu povo, são enviados por Deus a uma viúva da Sidônia e a um leproso Sirio, ambos estrangeiros que fazem a experiência do Deus de Israel. 
A memória dos profetas e a palavra corajosa de Jesus irritam seus conterrâneos a ponto deles ficarem furiosos e desejarem expulsá-lo da cidade e lança-lo no precipício. Porque tal reação em seus contemporâneos? O que os teria irritado desta maneira? Certamente Jesus denunciou a hipocrisia daqueles que gostam de aparências e não acreditam na simplicidade do cotidiano, ou quem sabe a atitude de Jesus acordou nos pobres sua dignidade e lhes mostrou um valor escondido pelas autoridades e poderes de seu povo. Seja lá como for, uma tragédia se anunciou no caminho de Jesus.
Aqui encontramos uma luz para a tragédia que vivemos hoje. A palavra profética é dura, e por causa dela o profeta corre risco de vida. Em nossos dias esta palavra nos chega através de acontecimentos inesperados que revelam os riscos que estamos correndo. Assim como dizia o adolescente Gabriel referindo-se aos jovens de Santa Maria, “é vida demais que virou vida de menos”. Nós podemos dizer que na vida de milhares de jovens hoje “há vida demais virando vida de menos”. Denunciar a morte violenta, acidental ou lenta pelas drogas de nossos filhos e o descaso com os jovens é profecia do tempo em que vivemos. 
Até quando veremos uma geração inteira tombando de tantos modos e ficaremos apáticos. Jesus denuncia a falta de fé de seu povo e em nossas comunidades hoje, ao nos visitar na mesa da Palavra e da Eucaristia, denuncia também nossa falta de fé e de cuidado com nossos filhos e filhas. Certamente sua denúncia incomoda, muitos desejarão expulsá-lo da cidade, das redes sociais, da vida, mas é urgente passar por estas tragédias e prosseguir o caminho. 
Ele está nos convidando a segui-lo neste caminho, a nos levantar com novas atitudes que as leituras nos indicam: não ter medo, aprender a caridade que é paciente, benigna e se regozija com a verdade... aprender a caridade que tudo crê, tudo espera, tudo desculpa. 
Levantar-se depois de uma dor tão grande como a de Santa Maria é ato profético e corajoso! É Palavra criadora de Deus que anuncia a Páscoa daqueles que nos deixaram e daqueles que ainda sobrevivem sonhando com um novo tempo com sentido. 
A vocês pais e mães de Santa Maria, a vocês amigos, irmãos, parentes e conterrâneos dos jovens que nos deixaram nesta semana, a vocês que sobreviveram, que Deus lhes dê força de se levantar e continuar no caminho aberto pelo ressuscitado, o caminho da profecia da vida. 
Muitos jovens e adolescentes estão gritando diante do que vemos e ouvimos: “queremos viver!” 
Acolhamos este grito como a profecia do nosso tempo, sejamos ousados e corajosos em buscar para eles caminhos de vida e esperança a partir de um amor que é gratuidade e vida. 
Jesus Cristo, nosso mestre e Senhor, nos ensine hoje de novo a Palavra que gera vida e faz renascer a esperança.

Pe. Marcos Paulo Cestare de Souza 

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